Tribadismo
Publicado em 2018-11-29 na categoria Absex / Actos sexuais


O Tribadismo é uma forma de praticar o acto sexual lésbico. Termo de origem grega para designar roçar ou friccionar, tem como definição de suas praticantes o vocábulo tríbade. É o acto de roçar ou esfregar os genitais nos genitais da parceira. No entanto, o tribadismo pode ser praticado em qualquer parte do corpo da parceira em que o sexo consiga posicionar-se num bom ângulo.

Pouco conhecemos, ou quase nada, acerca de como viviam as mulheres que tinham relações erótico/sexuais/afectivas com outras mulheres, em épocas em que a sexualidade das pessoas não indicava uma sexualidade sexual determinada.

Judith Brown [i] concebe que “as dificuldades conceituais que os comtenporâneos tinham com respeito a sexualidade lésbica refletem-se na carência de uma terminologia adequada. A sexualidade lésbica não existia, portanto, tão pouco existiam as lesbianas. Uma vez que a palavra “lésbica” aparece apenas uma vez no século XVI na obra de Brantome, não foi de uso corrente até o XIX, e até então foi aplicada antes a certos atos ao invés de a uma categoria de pessoas.

Ao carecer de um vocabulário e de conceitos precisos, utilizou-se uma larga lista de palavras e locuções para descrever o que as mulheres, ao que parecia, faziam: masturbação mútua, contaminação, fornicação, sodomia, corrupção mútua, coito, copulação, vício mútuo, profanação e actos impuros de uma mulher com outra. E no caso de chamar de algum modo àquelas que faziam essas terríveis coisas se dizia “fricatrizes”, isto é, mulheres que friccionavam umas com as outras ou “tribadistas” (tríbades), o equivalente grego a esta mesma acção.

Tribadismo significa “ela que roça” e faz referência a uma prática sexual entre duas mulheres em que elas se apoiam os corpos e pactuam peitos com peitos, vulva com vulva, e começam a contorsionar-se, esfregando-se mutuamente os clitóris até chegar ao orgasmo simultâneo.

Desde começos do século XX, podemos observar a partir de alguns documentos, o temor à expansão do tribadismo. Jorge Salessi [ii], no seu original estudo sobre como operou a homossexualidade na constituição do estado nacional argentino, diz acerca da homossexualidade feminina, “…nas formas de representação de uma homossexualidade das mulheres, por exemplo, se faz evidente a propagação exagerada de um pânico homossexual [iii], uma ansiedade cultural produzida, promovida e utilizada para controlar e estigmatizar populações consideradas perigosas pela cultura patriarcal e burguesa hegemónica”.

No nosso país (Argentina) no século XX, podemos observar a partir de alguns documentos, o temor da expansão do tribadismo. Jorge Salessi, no seu estudo original sobre como operou a homossexualidade na constituição do estado nacional argentino, diz acerca da homosexualidade feminina:

“…nas formas de representação de uma homossexualidade das mulheres, por exemplo, faz-se evidente a propagação exagerada de um pânico homossexual, uma ansiedade cultural produzida, promovida e utilizada para controlar e estigmatizar populações consideradas perigosas pela cultura patriarcal e burguesa hegemónica”.

O autor aprofunda em como a educação nacionalista [iv] cumpriu um papel fundamental em combater o erotismo entre mulheres, chamando os naquela época de tribadismo, uranismo e/ou fetiquismo. Segundo Salessi “tribadismo”, significava práticas sexuais entre mulheres, ademais de “hábitos” ou comportamentos definidos como incorretos para o seu sexo biológico. Esses costumes ou práticas sexuais eram, segundo os pedagogos e criminólogos argentinos, aprendidas especialmente no meio insalubre das escolas e colégios de freiras.

Por exemplo, em José Ingenieros [v] se revela uma aguda preocupação pela homossexualidade feminina. Ele argumenta que “a homossexualidade se bem não era tão comum na mulher, o era entre mulheres de certa educação”. Ingenieros escreveu: “…a inversão se observa menos frequentemente nas mulheres. A educação e o meio são pouco propícios ao desenvolvimento do ‘tribadismo’, sendo menos raro entre mulheres independentes da estrutura social (artistas, intelectuais, etc). Nas jovens se observa muitas raras vezes, uma vez que a inversão sentimental ou romântica é muito frequentemente nos colégios e internatos femininos”

Em 1910, Ingenieros ofereceu a história de uma mulher que "no convento onde foi educada contraiu hábitos de tribadismo que persistiram ao sair dali: era uma maria-macha completa, tratava as suas discípulas como se ela fosse um homem e dedicava-se a apaixoná-las ou as seduzir, para que se submetessem às suas práticas tribadistas”. Explica Salessi que a única dessas práticas a que aludiu este criminólogo foi a do “onanismo recíproco” porém sem especificar como se masturbavam essas mulheres entre si.

A reticência destes homens da ciência a descrever práticas sexuais entre mulheres (especialmente a compará-la com a riqueza de detalhes com que descreveram as práticas sexuais entre homens) foi uma característica recorrente do discurso desta ciência sexual argentina. Uma vez mais, as relações eróticas entre mulheres nem sequer foram enunciadas, destinando-as ao campo do impensável, do indizível.

“No Livro de Maneiras, escrito na modernidade precoce, o bispo Etienne de Fougere argumenta que o coito entre mulheres é tão absurdo como abominável, outorgando por exemplo de semelhante estupidez o acto de tentar pescar com vara sem ter a vara (o que leva a sentenciar que o acto sexual entre lesbianas não é mais que um esforço inútil, desgaste de energias, ação desnecessária, etc.)” . Esse sem-sentido pode explicar-se parcialmente pelo contexto dentro do qual o “sexual” adquiriu "sentido”.

O estatuto ontológico de sexo se coloca por meio da dupla pnis-penetração. Portanto, a ausência de tal par remete-nos a que a razão de ser do ato “sexual” desaparece enquanto tal. Que estatuto se poderia atribuir à actividade sexual entre lésbicas?

Se o sexo se tem entendido enquanto equivalente do par pênis-penetração, a pergunta que aparece é: o que poderiam fazer as lesbianas para que tais actos adquiram o estatuto de “sexuais”? Uma forma de começar a desarmar esta pergunta pode consistir em pensar a seguinte fórmula: “Penetrar versus Atritar”. Tanto a penetração como a descarga do sêmen tem tido bastante relevância em diversas tradições religiosas e seculares, pelo que se tem entendido que o atritamento entre lésbicas é uma “copulação falida". Isto leva-nos a revrr a assimetria fundamental que se desprende de outro par: atividade-passividade, em que a atividade/penetração está associada com o masculino enquanto que a passividade/penetrada ao feminino.

As práticas lésbicas como o tribadismo desmontam este sistema categorial, o desloca, e a lesbiana acaba fora da ordem do discurso. Se pensamos a penetração em termos extra-"pnicos” abrimos interrogantes, como por exemplo, como administrar entre lésbicas o par actividade-passividade sem remeter ao masculino “penetrar” nem ao feminino “penetrada”? Ou qual é o estatuto ontológico que se haveria de outorgar a um dildo cuja “masculinidade” (se atributo for transferível) não pertencesse nem a um nem a outra?

Rastrear na história de silêncios as pistas das relações entre mulheres, da paixão entre mulheres, das formas que se vieram designando como erotismo entre mulheres, entre as que se encontra o tribadismo, é uma convocatória a redescobrir a dimensão histórica do nosso desejo, as suas lutas por sobrevivência e existência. É necessário compreender que a proliferação dos prazeres e a difusão de uma economia erótica não-falocêntrica afecta o sistema heteropatriarcal, que está intimamente ligado ao capitalismo, cuja base controlada é a família tradicional. O lesbianismo ataca essa base econmica e além disso desestabiliza o controle demográfico, base das suas previsões sociais. Por isso que se oculta e nega, apesar da ignorância a que é submetido o desejo lesbico, há de se celebrar que segue palpitando no corpo de muitas mulheres.

As mulheres que tiveram expressado a sua paixão por outras mulheres, através das épocas, que lutaram e foram mortas antes de negar essa paixão. A síntese do lesbianismo e feminismo (dos movimentos teórico/políticos centrados e impulsionados por mulheres), procura revelar e acabar com o mistério e silêncio que rodeia o lesbianismo. Esta análise é uma pequena incisão contra essa esfera do silêncio e segredos que apresenta a impossibilidade de atribuir um espaço discursivo às relações sexuais entre mulheres. E faço próprias as palavras da feminista afro-americana Cheryl Clarke, “dedico esta obra a todas as mulheres ocultadas pela história, cujo sofrimento e triunfo tem feito possível que eu possa decidir meu nome em voz alta.“

Notas:

[i] Brown, Judith (1989). Afectos vergonhosos Sor Benedetta: entre santa e lesbiana. Ed.Crítica, Barcelona.

[ii] Salessi, Jorge. (2000). médicos, maleantes y maricas. Beatriz Viterbo Editora. Rosario.

iii A noção de pânico homossexual é citada por Salessi, a quem a retoma de Eve Sedgwick em Epistemologia do Armário. Sedgwick explica que especialmente na segunda metade do século dezenove, a produção e utilização do pânico homossexual serviu para a perseguição de uma nascente minoria de homens que se identificavam a si mesmos como homossexuais mas também, e especialmente, para regular os laços homosociais entre todos os homens, laços que estruturam toda a cultura, ou ao menos toda a cultura pública e heterossexual.

[v] Médico e escritor argentino, 1877-1925.

[vi] “Um passeio por fora do discurso: que fazem as lésbicas na cama?”. Susana Draper. Extraído da internet.

vii “Lesbianismo: Um acto de resistência” por Cheryl Clarke, extraído de “Recopilación sobre lesbianismo y homosexualidad masculina”, realizada por Jorge Horacio Raices Montero.

Autora:

Valeria Flores é Feminista Lesbiana, pertencente a Coletiva feminista “La Revuelta”, natural de Neuquén – Argentina.

 
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