Quando o sexo não é importante
Publicado em 2014-01-14 na categoria Sexo100Sentidos / Abstinência sexual


Ser celibatário e casto no séc. XXI ainda suscita curiosidade. Depois dos religiosos, movimentos civis aderem a modo de vida. A imagem festiva que acompanha a infância de quem cresce numa família com nove filhos ainda paira no sorriso do padre Miguel Almeida.

Foram precisamente os irmãos que tiveram mais dificuldade em compreender a sua opção de entrar numa ordem religiosa e cumprir o voto de castidade que tal obriga. "Os pais acho que até gostaram, sou o mais novo e já tinham descendência suficiente", confessa a rir.

A história deste jesuíta, de 44 anos, não se fez num dia. Estudou Marketing e Publicidade, teve namoros e houve um momento em que o que "menos queria ser era padre". Depois algo, que os estudos de Filosofia e Teologia aprofundaram, soou mais alto. "Entrei com 25 anos, fui ordenado aos 30 e tal, não sei dizer se houve um ‘plim’, houve várias coisas. Pertencia a um grupo de acção social, fomos em férias missionárias para o interior do Brasil e há coincidências, encontros. Acho que estive para aí dois anos a dizer que não, que queria ser uma pessoa normal, casado e pai de filhos. Mas vai-se sentindo um apelo interior, qualquer coisa toma forma nas várias actividades e situações da Igreja e da Fé, onde me vou sentindo cada vez mais realizado". Mesmo em vida de celibato.

Para Iolanda Martins, foi aos 18 anos, na idade em que se procuram "coisas grandes, que nos transcendam", que surgiu esse caminho. Ser celibatária em vida activa tornou-a diferente, mas não mudou o percurso. Engenheira química, de 40 anos, reside numa comunidade feminina e engrossa o número de cidadãos comuns que assumem uma postura antes apenas habitual em consagrados à vida religiosa: viver sem sexo.

Curiosamente, é no momento em que a Igreja Católica se debate com a necessidade de discutir a imposição do celibato obrigatório dos padres que a sociedade civil adere.

COMUNHÃO TOTAL

A casa num bairro residencial de Lisboa tem janelas amplas, cortinas claras e uma decoração despojada que pouco diz sobre quem lá vive. São quatro a cinco pessoas, homens ou mulheres, com profissões diferentes, que residem nos lares masculinos ou femininos do Focolares – movimento internacional que em Portugal reúne maioritariamente católicos, movidos pela ideia comum da unidade. Iolanda vive no espaço de Alenquer e de passagem pela capital fica na casa da comunidade. "Esta escolha é existencial e aquilo que me fascinou neste movimento foi a existência de um objectivo de vida", diz.

Para esta engenheira, a vida em comunidade de celibatários possibilita integrar "uma família alargada e, neste momento de crise, também de valores, trabalhamos na formação das pessoas para uma cultura e um estilo de vida novos. Criamos uma economia de comunhão em que temos empresas que produzem para o bem comum".

O movimento pretende que "não haja pobres nem indigentes entre nós" e uma das características "é a comunhão de bens, que os celibatários levam à letra". A adesão é maturada com votos privados e o desejo físico combatido "ao falar das coisas. Comunicar ajuda a superar os momentos, que obviamente surgem, de dificuldade. Mas nunca foi nada de muito prolongado que me fizesse pensar que tinha tomado uma opção errada". No fundo, explica, "somos pessoas que mantém a laicidade, estão na sociedade, no mundo, trabalham e vivem em apartamentos integrados na vida da cidade, mas no Focolares, o coração de uma comunidade ampla."

AMOR CASTO

É também sem se sentirem diferentes que Miguel Rodrigues e Aline Araújo, 20 anos, assumem o compromisso de castidade. São virgens e querem esperar pelo casamento para iniciar a vida sexual. "Fomos educados de maneira a preservar e respeitar o nosso corpo, a nossa intimidade e não a queremos dar assim sem mais", diz o estudante de Engenharia Electrotécnica. Aline nasceu no Brasil, mas por viver no interior da Amazónia, numa comunidade conservadora e evangélica, sentiu diferença em Portugal: "Muitos gabam-se do que nunca fizeram. Mas é importante acreditar que temos alguém que nos está destinado. É preciso estabelecer um pacto, um compromisso. É um passo sério que as pessoas banalizam."

Aline e Miguel conheceram--se na 3ª Igreja Evangélica Baptista e seguem as palavras do pastor, que aconselha abstinência sexual até ao casamento. Falar com alguém "com experiência" ajuda, dizem. "Sempre tive amigos que exploram a parte mais negra da sexualidade, mas isso nunca foi um problema. Se tinha dúvidas, falava com os meus pais. Com colegas da faculdade o tema é sempre abordado de forma vulgar, se for com amigos cristãos há mais respeito", diz o futuro engenheiro.

Miguel reside numa casa com outros estudantes, longe dos olhares ‘vigilantes’ da família, que mora em Santarém, e apesar da liberdade entende o "namoro como um momento de habituação. Vamos conhecendo o outro, as diferenças, os costumes, no nosso caso as culturas também". Aline e Miguel estudam e almoçam juntos, mas não se querem isolar e, nesse contexto, resistir à tentação é fácil. "Paramos no momento certo". Aline quer estudar Direito para ser juíza, e confessa que o namoro não é escondido: "Há beijo, toque, abraço. E há curiosidade, às vezes penso como será." Mas aos 20 anos o amor é forte e supera o fantasma de que a sexualidade entre os dois não seja a melhor: "Se acontecer alguma coisa, a gente ajusta. Contorna."

ANEL DE CASTIDADE

Se entre nós a defesa da virgindade parece tabu, nos EUA estes movimentos ganham cada vez mais adeptos. Nos finais do séc. XX, a sociedade ligada a Igrejas Cristãs lançou os anéis da castidade, que fizeram sucesso entre os adolescentes. Conotados com a demonstração de compromisso de abstinência sexual e muitas vezes acompanhados por voto de celibato, renovaram-se em versão para iPhone e iPod touch, na aplicação PurityRing na App Store da Apple, que exibe um anel prateado a girar no ecrã do aparelho.

Pedro Ghira Viana, arquitecto, 27 anos, ostenta na mão esquerda o anel que atesta a sua castidade. É numerário do Opus Dei, organismo que "recomenda a prática de penitência corporal aos membros celibatários", trabalha num ateliê e vive numa residência masculina. A ideia do celibato surgiu aos "15 anos, quando comecei a perceber que Deus existe e tem planos para cada um". O seu está traçado: "Faço isto com muito gosto, para estar mais disponível para a minha profissão e para as relações com os outros, mas também porque quero ser santo, quero chegar à perfeição."

Assumir uma vida desta natureza é "sempre uma opção livre e individual", diz o arquitecto, a quem a religião condicionou a escolha. "O Opus Dei ajudou-me a compreender que na Igreja sempre houve pessoas dedicadas a Deus, também através do celibato, precisamente como um cidadão como os outros, com vida corrente de trabalho, de amizades e interesses variados. Foi a minha janela de oportunidade, como agora se diz."

Privar-se de relações sexuais na sociedade urbana do século XXI pode ter o carimbo da diferença. Mas Pedro nunca o sentiu. "Na faculdade, bastou uma pessoa saber para todos os outros saberem também. E era um assunto que suscitava curiosidade, claro, quem me conhecia perguntava. Estamos desabituados do compromisso definitivo, por isso a decisão do celibato ao princípio estranha e assusta. Depois, é como tudo. Se estamos bem connosco e com os outros, tudo normaliza. Na minha família encontrei compreensão e apoio. Somos cinco, três são casados e têm filhos, uma das minhas irmãs também tomou este caminho."

ADULTO E VIRGEM

A família Jesus, de Proença-a-Nova, colhe os frutos da educação que impôs aos filhos. João J. deu nas vistas ao afirmar no reality show ‘Casa dos Segredos’ que era virgem. Aos 27 anos, este encarregado industrial da empresa do pai (de mármores e cantarias), é casto e quer casar com uma mulher também virgem. Enquanto procura a eleita, admite que "ao estar perto de certas raparigas" sente "desejo carnal, não amor" e descarrega as ânsias do corpo no desporto e na música. "Toco acordeão, pratiquei kickboxing, futebol, natação e ténis… Agora faço ginásio todas as semanas, caça, pesca e equitação."

João J. é católico mas garante que não é a fé que lhe molda o espírito. "Gosto de conhecer princípios e caminhos e acabo por me encaixar onde vejo a felicidade. Até aos 18 anos não fiz sexo por insegurança, depois foi uma opção. Estou numa geração de transição, a anterior ainda defendia que o rapaz é que devia dar o primeiro passo. Agora nós damos um passo e elas dão dois ou três", frisa.

Ao contrário do que possa pensar, a atitude de João J. não destoa. Com trabalho activo no CUPAV – Centro Universitário Padre António Vieira, o padre Miguel Almeida acompanha estudantes. "O ambiente cultural é diferente e diria que guardar ou não a virgindade até ao casamento talvez não seja a coisa mais grave do mundo."

Por defender que a "expressão física do amor tem de ser enquadrada na expressão do resto da vida", para o padre jesuíta o caminho do celibato e da castidade não é necessariamente penoso, mas mais fácil se vivido em comunidade. "Nada substitui uma família, ponto. Não sei o que vou pensar amanhã. Neste momento, sinceramente, não tenho dúvidas, mas por vezes há a nostalgia de não ter filhos, por exemplo, daquilo que não foi vivido. No celibato não é o não ter mulher e filhos que me atrai. É o sim que posso dizer a Deus, a minha disponibilidade interior para a missão que me é pedida."

O PADRE CASADO

Para os católicos, os sacramentos da Ordem e do casamento são para a vida. Um padre não deixa de o ser e um casal deve manter-se fiel. Fernando Félix, 41 anos, foi educado para ser "o primeiro da família e da sua paróquia" a assumir esse compromisso. Mas a castidade exigida ao padre era difícil, "há sempre expressões de amor e carinho. Foi isso que desencadeou a minha decisão. Fui ordenado padre comboniano aos 25 anos, conheci a Maria José aos 26, ela era catequista e estudante universitária. Sai aos 30".

Depois do namoro, "o desejo de estar com ela" levou ao casamento civil em 2006. O religioso será no próximo Maio, 12 anos após o padre ter pedido dispensa. Ainda assim, a opção de viver em família não o afastou da Igreja. "Não tem de haver um desligar completo", diz. Quem casa não pode celebrar missa nem confissão, mas Fernando Félix mantém-se ao serviço dos combonianos, como missionário, e preside à associação Fraternitas, que "nasceu para ajudar a enquadrar estas pessoas, padres que querem casar. O número é grandito".

Fernando e Maria José vão em lua-de-mel para o Peru. Juraram amor eterno com uns anéis de coco, da América do Sul, que se partiram com o trabalho diário e não usam aliança. "Não somos convencionais", diz.

CELIBATÁRIOS E FAMOSOS

São poucos os famosos solteiros que assumem também prescindir do sexo. Mas durante alguns anos, o cantor pop Justin Bieber e os elementos da banda Jonas Brothers usaram a castidade como promoção para a venda de discos e de um estilo de vida. Mais recentemente, foi a cantora alemã Nina Hagen – que foi expulsa da antiga RDA pela vida de excessos – que jurou ter-se tornado celibatária e "pura".

Da lista de famosos destacam-se ainda várias personalidades que numa fase da vida tiveram essa experiência: Stephen Fry, actor, comediante e escritor; Isaac Newton, o famoso matemático; Simone Weil, política e pensadora; e a romancista britânica Beryl Bainbridge, que revelou ter tido a primeira relação sexual aos 56 anos e ainda assim "pouco dignificante".

Em Itália, Joe Lo Pilato, dono de uma pousada, lançou o sindicato dos solteiros: pede justiça nos impostos, um ministério para zelar pelos direitos dos que vivem sozinhos e descontos em viagens.

 

NOTAS

ANÉIS

NOTAS

ANÉIS

Nos anos 1990, a sociedade ligada a Igrejas Cristãs lançou nos EUA os anéis de celibato ou castidade.

IGREJA

Vários padres católicos subscreveram o "apelo à desobediência": pedem o fim do celibato obrigatório para sacerdotes.

ACÇÃO

O Movimento Nós Igreja escreveu ao Papa Bento XVI, fazendo o apelo de que o celibato deve ser uma opção.

MINORIA

Segundo a Organização Mundial de Saúde, 7 por cento das mulheres e 2,5 por cento dos homens garantem viver bem sem sexo. 

in, CM

 
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